terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Resenha #55 - Um passeio no jardim da vingança (Daniel Nonohay)

A obra de estreia do gaúcho Daniel Nonohay é um romance policial com elementos de ficção científica ciberpunk, ambientado numa Porto Alegre de meados de 2040. O livro foi bem divulgado na época do lançamento, porém passou longe do radar do fandom nacional de ficção científica. Contudo, ainda que seja essencialmente um romance policial com roupagem ciberpunk, quero destacar o valor da obra no campo da especulação futurista brasileira.

O protagonista, Ramiro Souza de Braga, é um advogado envelhecido tanto pelo tempo quanto pelas drogas e por uma vida basicamente sem propósito. Após um atentado à bomba, Ramiro passa a ser perseguido por uma rede de poder e influência envolvendo os próprios sócios de sua firma de advocacia. A busca por vingança é a única forma que Ramiro encontra para reconquistar o gosto pela vida.

Os outros personagens também se encaixam no tipo anti-herói, mais nos moldes da literatura policial do que nos moldes dos indivíduos excluídos do festim das grandes corporações futuristas. Ramiro é um dos cidadãos ricos, alguém enfastiado com o conforto, igual a qualquer magistrado acomodado na posição de autoridade dentro do poder judiciário. (Vale lembrar que Daniel Nonohay é juiz do trabalho em Porto Alegre.)

A ambientação dessa Porto Alegre do futuro é composta por uma atmosfera profundamente fendida, atualizando a clássica separação entre ricos e pobres. Nas páginas de Um passeio no jardim da vingança tudo é descrito de forma tênue e sutil; por exemplo, a disseminação das drogas sintéticas, os dois implantes cerebrais de Ramiro, as áreas muradas e seu aparato de vigilância que não são muito diferentes dos condomínios fechados de hoje. Os implantes cerebrais do protagonista, que potencializam sua memória e permitem acesso à internet, são mostrados de forma mais prática e sem o tratamento estético de um William Gibson, que o autor não chegou a ler. Essa sobriedade corriqueira do cotidiano no futuro acaba conferindo mais seriedade ao aspecto ciberpunk da obra. Ela é um diferencial muito relevante em comparação aos outros romances recentes desse subgênero publicados no Brasil, obras que ainda tentam emular a estética de Neuromancer. O resultado é que pendem mais para a sátira e menos para a especulação.

O trato sóbrio do elemento ciberpunk se dá pelo fato desse ser apenas um adereço em um romance policial, que tem suas próprias linhas para seguir, nesse caso, o mistério de um atentado que desemboca numa conspiração por mais poder. A obra consegue prender a atenção do leitor, com sua trama complexa, cheia de meandros jurídicos (sem se transformar em juridiquês). Esses momentos tomam conta da história no seu segundo ato, o que pode fazer o leitor esquecer que se trata também de uma FC, mas os elementos sci-fi continuam relevantes e fundamentais para as boas reviravoltas da trama.

Jogando com o presente, o passado e o futuro, Um passeio no jardim da vingança não é nada pretensioso em relação ao ciberpunk e talvez isso seja a melhor contribuição que a obra traz ao subgênero que mais concorreu para moldar nosso presente e nosso imaginário.

2 comentários:

  1. Excelente texto. Bom ver que existem livros de ficção científica trazendo um pouco da cyber cultura aqui nas nossas terras.
    Acredito que as obras Brasileiras ainda tem um longo caminho a trilhar.

    Abraços
    naciadelivros.blogspot.com.br

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  2. Concordo plenamente. Que venham cyberpunks em maior quantidade e qualidade ainda.
    Obrigado pelo comentário, um abraço!

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